23 de julho de 2008

Enfim, pedras e calhaus… A gente anda a fazer ricochete no mar…

Vê-se o mar, cujo único fim poderá estar (se alguma vez vier a estar) no plano mais restante e profundo do horizonte.
Pega-se numa primeira pedra, só porque apeteceu tirar uma do chão, (a princípio) indiscriminadamente, uma dos tantos milhões delas que estão apoiadas na areia da praia.
Põe-se nas mãos uma segunda, pelo mero gosto ou vontade de saber o que levou a fazê-lo primariamente, notando-se de pronto que se adquiriram dois objectos perfeitamente distintos um do outro, e rapidamente se descobre, num raciocínio que flui a toda a calma, que foi o que distingue estes dois calhaus que conduziu à sua obtenção. Pedra inicial de calhau seguinte, calhau primordial de pedra derradeira, são distinguidos por uma coloração peculiar, ou por uma forma sempre estranha e incomparável, ou por um brilho mais (ou menos) brilhante, ou por isto tudo e mais uma soma de outras várias características em simultâneo, que se avaliam em cada objecto, em cada indivíduo…
Pegam-se mais pedras e calhaus, uma mais plana, outro mais distorcido, este que parece ser o mais definido, esta que faz alegrar, a única (e mais bela, extraordinária e perfeita) que se necessita amar, este que não nos faz parar de rir… Enfim, pedras e calhaus… Vários, muitos, quase todos (talvez faltem os que, infelizmente, não se conseguem agora lembrar…), nas mãos, prontos para o passo seguinte.
Um a um (tentando fazer ir as senhoras primeiro), vão sendo atirados para o mar, de uma forma, da melhor maneira humanamente (ou, às vezes, também extraordinariamente) possível que os faça chapinhar o mais longe na água, que os leve fazer vários (voados) ricochetes no mar, que os distancie da costa em direcção ao profundo azul, desejando que nenhuma vá logo ao fundo, sabendo que acabarão todas por chegar a um bom destino…

Isto de estar a atirar pedras na praia é giro, é bom, acalma-me... Isto, provavelmente (ou mais “quase certamente”) não deve fazer agitar o pensamento de ninguém…

Isto fez-me pensar, levou-me a organizar uma esquiva consideração existencial.
Olho para o mar, vou atirando pedras e calhaus, vou vendo uns a ir muito para a frente, outros a nem começar o caminho e vou sabendo que todos vão acabar no fundo, mais afastados ou menos distantes.
Vou pondo imagens de pessoas na minha cabeça e começo a imaginar, a teorizar, a tentar comprovar, a dar por quase certo que somos todos pedras e calhaus.
A começar, cada um dos milhares de milhões de seres humanos tem o mesmo início. Elas pedras e eles calhaus, acostam-se, quietos e incapacitados, em frente ao mar de vida que têm de enfrentar, à espera de serem entregues nas mãos de uma recíproca vontade, de uma ajuda para viver próprias de cada homem ou mulher.
Estando nas devidas e destinadas mãos, estas fazem a sua força e lançam cada um a seu ritmo no mar da vida. Para uns, a força é imensa, fazendo-os começar a caminhar de longe. Para outros, é maior uma fraqueza (em muitos casos, apoiada da indiferença) que não permite a muitos sequer começar.
Mas, para uns, para outros e para tantos que estão pelo meio, este mar faz a todos de igual. Depois de lançados, os que foram bem lançados ou que querem viver com sentido vão levando impulsão da vida que os guia a progredir nela própria. Aos que (nem sempre por culpa sua) tiveram más mãos para os atirar ou que não encontram (ou optam por não achar) sentido nenhum para sobreviver, cabe-lhes serem afundados, serem submetidos a rasar o fundo, onde (talvez) quase (mas quase nunca) têm a morte à espera, acabando por obedecer à última tarefa da vida.
Porém, estes últimos não são os únicos a morrer. Apenas costumam ir antes de todos, porque, tal como a vida actua indiferente a qualquer individualidade, assim a morte é natural e comum a todos. Como se costuma dizer, tudo o que tem um início tem um fim e, no caso destas pedras e destes calhaus o fim será feliz se vier bem construído de raiz.
Falta mencionar o caso dos que não tiveram qualquer tipo ou forma de mão, de quem o mar da vida não se esquece de arrastar e dar a oportunidade de ser vivo, que, infelizmente, é bem aproveitada por poucos destes que, compreensivelmente, não são levados a encontrar motivos para sair da melancólica e perdedora estática que se lhes confere.
E assim somos, pedras e calhaus, à procura de ir longe neste mar…

Penso em mim. Tento averiguar, a partir da minha própria pessoa, que tipo de calhau serei.
Não conseguindo auferir minimamente a minha forma, cor, brilho ou qualquer outro aspecto mais (ou menos) meio exterior, não me desiludo. Dou-me por mais que feliz e contente por ter as mais fantásticas mãos a lançarem-me de forma tão humana e extraordinária neste mar.
Só me perderei da vida se quiser ou se me esquecer de viver por alguém, por quem me deu e por quem me dá as mãos, por quem é (e será sempre)amigo e companheiro.

Obrigado por me darem as mãos. Também tentarei saber como melhor posso ser uma mão vossa…


Espero ir longe a fazer ricochete no mar…