3 de agosto de 2009

Sonhos adultos angustiosos

Como já foi bom sonhar, querer ser um honrado e temível herói, salvar todos e acabar tudo feliz para sempre, de preferência, com a tal princesa encantada ao lado. Já houve tempos em que, na subconsciência se escreveram autênticos romances, novelas, tragédias e até (quem sabe?) uma ou duas epopeias na qual nos cabe o papel da personagem principal, aquela que vê toda a trama e de quem depende todo o enredo da história, que cativa a atenção de todos e que, apesar dos conflitos e de algum sofrimento que encontra pelo meio, consegue alcançar um desfecho satisfatório para si e satisfatoriamente bom e pacífico para todas as outras personagens intervenientes.

Mas isso faz parte de outras alturas, de outros dias, de outras noites, dos sonhos ensonados de uma criança feliz, que só chora quando se magoa muito, quando se corta e sangra, quando cai de cabeça no chão, porque arranhar um pouco os joelhos já é algo próprio de criança e não merece desta cerimónias nem choros.

Hoje, os dias são outros, mais cansativos, as noites diferentes, mais curtas, os sonhos são bem mais fortes, mais vivos, tão bem mais fáceis de virem a ser realidade e, ainda assim, tão mais desejados para que sejam reais o mais cedo possível. A criança é outra, já não é tão criança. É à mesma feliz, mas dentro dela cresce uma certa infelicidade, uma angústia que quando sai, por mais inocente e alegre que a vida possa parecer, leva tudo e, por momentos, nada fica igual… tudo o que se vê, tudo o que se vive parece que devia ter sido visto e vivido de forma mais perspicaz, mais “desentimental”, mais cruel, ponderando mais a causalidade de cada acto e não o bem-estar da pessoa que os concretiza.

Por vezes, adormecemos com esta angústia a soltar-se do vazio que se cria do nosso mais profundo interior, a sair frio, a escorregar gélido pelo nosso rosto… Nessas ocasiões, os sonhos alteram-se.

Quase que se sonha acordado. Não se sonha em ser feliz e fazer os outros felizes ou sequer em ver os outros felizes. Sonha-se em ser o melhor, o maior, o mais notável e poderoso, não importando métodos ou razões para que tal aconteça. Não vem à cabeça sonhos encantadores como o de ser pai ou mãe, ter filhos, envelhecer ao lado de quem mais amamos.

Nos dias de hoje, nestes dias em que a responsabilidade que já nos pesa nos consegue angustiar, o subconsciente povoa-se com a ideia de ser rico, de ter tudo, de ser famoso, de ser alguém importante, de mandar e não ser mandado, de dar ordens e de nunca as receber, de ser perfeito… Porque apenas sendo perfeito, tendo tudo e sendo tudo em absoluto é que se deixaria de pressentir a inquietação que se vai criando e crescendo quotidianamente neste mundo de dinheiro, materialismo, ira e actos maquilhados de bem com intenções não tão boas (sem falar de guerra, fome e afins).

A solidão, incutida nesta fervorosa e gananciosa ambição, não suaviza quase em nada esta forma completamente crua de felicidade. A verdade é que, sendo e tendo tudo o que queremos, ou apenas fazendo este cruel esforço de ser e ter tudo, quase não vêm à memória os pais, aqueles dois indivíduos, um homem e uma mulher que nos viram crescer, que nos fizeram crescer, que nos educaram da forma mais correcta possível e que nos deram as directrizes mais honestas e adequadas para se ser alguém na vida. Aliás, a sonhar assim todos os dias, “ser alguém” afasta-se daquilo que as nossas raízes paternas nos levariam a ser.

A ter esta angústia todos os dias ao ir dormir e sonhar, não se quer ser ou parecer ser. Quer-se ter, possuir para uso livre, obter, usar e deitar fora, quer-se ter amigos, que a bem ver serão somente “conhecidos” a quem se pede um favor, ou melhor, se cobra a concretização de uma determinada tarefa perante a troca dessa por algo material ou nada. Amam-se monopólios, impérios, riquezas, conhecimentos e valores da Bolsa. Não se ama um sorriso, um momento ou outra pessoa que não o próprio indivíduo.

Faz-se tudo, mas sempre que possível nada de nada, para conquistar o mundo e os seus objectos, mas não um sorriso, um coração, um gesto de agradecimento sincero ou um momento em que alguém (ou aquela certa pessoa) nos dê um pouco da sua atenção.

É-se alguém, tem-se um nome e quase tudo o que se pode tocar, mas não se é ninguém, não há nada que nos identifique e não se consegue ter o que se criou para ser sentido, que é o mais fácil e delicioso de se ter.

Por isso, queria ser sempre criança, de joelhos sempre esfolados de estar sempre a cair, para que nunca me caísse a angústia nos sonhos à hora de dormir… Verdadeiramente, tenho pena que isso não possa acontecer… Gostava de ficar com os castelos de areia e as histórias que se foram construindo em mim…